Brasil ainda tem 28,8 milhões de crianças e adolescentes na pobreza, diz Unicef

O número de crianças e adolescentes brasileiros vivendo na pobreza recuou de 34,3 milhões em 2017 para 28,8 milhões em 2023, apontam dados divulgados nesta quinta-feira (16) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

A comparação representa uma melhora de 16% no indicador, mas indica um caminho longo a percorrer.

Os 28,8 milhões de 2023 representam 55,9% da população de 0 a 17 anos do país. Ou seja: mais da metade dos jovens brasileiros ainda vivem o que o Unicef chama de “pobreza em suas múltiplas dimensões”.

O levantamento usa dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, e ultrapassa o critério apenas da renda familiar. São sete dimensões:

  • renda;
  • educação;
  • acesso à informação;
  • água;
  • saneamento;
  • moradia;
  • proteção contra o trabalho infantil.

 

Na comparação entre 2017 e 2023, houve melhora em todos esses itens – mas o ritmo das conquistas e o estágio atual de cada indicador são bem diferentes.

No caso da renda, por exemplo, o número de crianças e adolescentes em privação recuou de 25,4% para 19,1%. No acesso à informação, a queda foi ainda mais vertiginosa – eram 17,5% afetados em 2017, e só 2,5% em 2023.

“Aexpansão do Bolsa Família pode ter contribuído para tirar pelo menos quatro milhões de crianças e adolescentes da privação de Renda – um número cerca de cinco vezes o estimado em 2019 (800 mil), o último ano antes da expansão do Programa”, conclui o Unicef.

 

O êxito é menor em outros critérios. O percentual de crianças sem acesso a saneamento básico ainda era de 38% em 2023 (contra 42,3% em 201&0. O índice de crianças e adolescentes em trabalho infantil ficou praticamente estagnado: passou de 3,5% para 3,4%.

Segundo a chefe de Políticas Sociais da Unicef, Liliana Chopitea, a falta de garantia dos direitos fundamentais das crianças pode gerar impactos econômicos no futuro.

“É importante entender que a pobreza afeta mais as crianças e os adolescentes, justamente porque elas estão em um momento de desenvolvimento. Qualquer direito que não seja garantido na idade certa pode ter uma consequência, a longo e a médio prazo, no desenvolvimento das crianças. E no longo prazo, também, para a economia do país”, diz Chopitea.

A chefe de politicas sociais da Unicef afirmou ainda que outro tema afetado pela pandemia foi a saúde mental das crianças e adolescentes.

“Saúde mental foi realmente um dos problemas grandes que eles enfrentaram e que alguns continuam enfrentando e isso também se reflete no aprendizado. Então é importante mencionar que a pandemia teve grandes impactos para as crianças e adolescentes. E por isso, a importância de politicas públicas focadas em recuperar essas perdas sejam implementadas”, afirma Chopitea.

Privação extrema

Dentro desse grupo de crianças e adolescentes atingidas por alguma dimensão da pobreza, o cenário não é sempre o mesmo.

O estudo do Unicef classifica alguns casos como “privação extrema” – ou seja, condições ainda mais drásticas motivadas pela falta de acesso a renda, saúde, educação e moradia.

Em 2017, 23,8% das crianças e adolescentes do país estavam em “privação extrema” em ao menos uma das dimensões pesquisadas. Ou seja, em média, um em cada quatro jovens do país.

Em 2023, o número melhorou. Passou para 18,8%, ou um em cada cinco jovens.

Tanto na pobreza total quanto na pobreza extrema, os relatórios indicam que a situação é mais difícil para crianças e adolescentes negros.

“Embora haja também uma tendência de redução, as taxas para crianças e adolescentes de raça negra permanecem consistentemente mais altas em comparação com a crianças e adolescentes de raça branca, destacando disparidades raciais significativas no que diz respeito às condições de vida e acesso a recursos essenciais”, resume o estudo.

Desigualdades regionais

O estudo traz ainda dados considerando diferenças regionais e geográficas. Segundo a pesquisa, crianças e adolescentes que residem em áreas rurais enfrentam consistentemente níveis muito altos de privação, com percentuais variando acima de 95% em todos os anos pesquisados.

Em 2023, a taxa de crianças e adolescentes que residem em áreas rurais e que possuem algum tipo de privação caiu para 95,3%, após ter chegado a 96,9% em 2019.

O percentual de crianças e adolescentes com alguma privação em áreas urbanas teve uma redução ainda maior, de 51,8% em 2019 para 48,5% em 2023.

O tipo de privação que mais se destaca, tanto em áreas rurais quanto urbanas, é o saneamento.

Situação nos estados

O estudo separou também os dados por estado. Os estados que apresentaram os piores índices de privação foram:

  • Pará: 89,5% das crianças e adolescentes
  • Maranhão: 88,6%
  • Rondônia: 88,1%
  • Amapá: 88%

 

Já São Paulo (31,8%), Distrito Federal (34,1%) e Minas Gerais (38,3%) estão entre as unidades da federação com as melhores porcentagens do país.

Fome

“Apesar da expansão das transferências de renda no período posterior à pandemia, registrada em 2023, ainda havia um percentual de crianças e adolescentes em situação de Insegurança Alimentar levemente acima do nível de 2013, apesar da melhora em comparação aos níveis de 2018. Tal diferença se deve principalmente ao grave aumento do preço dos alimentos”, diz o relatório do Unicef.

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“Mesmo se você tem regularizado e facilitado o acesso à educação, uma criança que não está bem alimentada vai ser impossível que aprenda. Por isso que é importante garantir que uma criança tenha a devida alimentação, uma alimentação saudável, para que ela possa render na escola. […] A renda não resolve todo o problema da vulnerabilidade das famílias”, destaca a chefe de políticas sociais do Unicef.

Por Mateus Rodrigues, Marcela Cunha, g1 — Brasília

https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/01/16/

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