Nesta semana, o Vale do Aço perdeu a sua mais influente colunista social dessas terras, em todos os tempos. Faleceu Martha Azevedo, a mulher que tinha todo mundo nas mãos, sabia de segredos não publicáveis e conseguia o que queria dos grandes empresários. Em março de 2010 a revista CHIQUE! publicou uma entrevista concedida ao meu então colaborador Marcelo Duarte. Divirtam-se:
O que a administradora de um condomínio com 44 apartamentos de luxo em Ipatinga, apaixonada por jogos de baralho e que odeia participar de grandes festas, tem a ver com a história do entretenimento latino-americano?
Provavelmente muitos desavisados afirmariam: Nada!
Porém, apesar de parecer improvável, esta mulher realmente foi umas das mais bem sucedidas produtoras de eventos do Brasil.
Estamos falando de Maria Martha Azevedo, ou simplesmente, Martha Azevedo.
Penúltima filha de uma família de trinta irmãos, Martha Azevedo nasceu em 19 de maio de 1946 na fazenda de seu pai na zona rural de Belo Oriente com a ajuda de uma parteira.
Apesar do grande número de integrantes, a família Azevedo nunca passou por graves problemas financeiros. O sustento era retirado da criação de gabo, da agricultura e da venda da cachaça produzida no alambique instalado na fazenda.
Na época, o Vale do Aço se resumia a diversas cidades em formação, interligadas por estradas de terra de difícil tráfego.
O principal centro urbano era Coronel Fabriciano, cidade que possuía as melhores escolas da região.
Em 1961, Marta passou a estudar no Colégio Angélica, tradicional instituição de ensino comandada por freiras em Fabriciano. As viagens entre a fazenda e a escola eram feitas de caminhão. Cinco anos mais tarde se mudou definitivamente para a cidade.
Aos vinte anos o primeiro emprego. Balconista nas gráficas e papelarias Tabajara e Lajinhense.
Na Coluna Social
Martha Azevedo sempre demonstrou interesse pelo mundo da informação. Ainda na fazenda do pai, em Belo Oriente, acompanhava com atenção os noticiários pelo rádio e se encantava com os recortes de jornais e revistas.
Mal sabia ela que, no dia 14 de outubro de 1967, seria contratada para trabalhar como repórter e colunista social em uma revista e no recém fundado Diário da Manhã, único jornal do Vale do Aço na época.
No início, a redação ficava no segundo andar do prédio do antigo Cine Veneza, na Avenida 28 de Abril, no centro de Ipatinga. Mais tarde, passou para a Rua Belo Horizonte, no imóvel onde funcionou a primeira rodoviária da cidade.
“Na época, a gente fazia de tudo. Desde coluna social até matéria para a página policial” – relembra Martha.
Entre reportagens e coberturas de eventos, Martha Azevedo ganhou notoriedade em meio aos emergentes do Vale do Aço. Em pouco tempo sua coluna se transformou em principal passaporte para a evidência social. Não bastava ser de família tradicional, ter dinheiro ou status. Era preciso estar estampado nas páginas cada vez mais numerosas de Martha Azevedo.
Com o passar dos anos a Ipatinga da infância de Martha se transformou. As ruas, antes ocupadas por animais e sem qualquer tipo de infra-estrutura urbana, começaram a ser revitalizadas. Reflexo do desenvolvimento da siderurgia na região.
Efeitos também na vida social. Clubes foram criados para garantir o lazer dos trabalhadores atraídos para o crescente Vale do Aço. As festas envolvendo as famílias dos funcionários mais abastados se tornaram cada vez mais freqüentes e o trabalho de Martha cada vez mais requisitado.
Os dias pareciam curtos para tantos flashs. Ela conta que chegou a cobrir nove eventos em um só dia. Tudo sem ajudantes. Por incrível que possa parecer, era ela quem recepcionava, tirava fotos e tomava nota dos acontecimentos – “Eu não tive momentos ruins na minha vida de colunista social. Sempre vivi situações especiais nesta época” – enfatiza Martha.
Os clientes eram muitos. Espaço em aberto para anúncio em sua coluna era algo impossível de se ver. E entre seus parceiros, dois, em especial, ficaram gravados na memória – “Tive bons clientes, mas os melhores eram o Mário Yolete, da Brasauto e o Jaider Vasconcelos, da Coopeco”, destaca.
O rompimento com o Diário da Manhã veio após a venda do jornal. Martha conta que o novo dono do periódico não concordava com o alto faturamento da colunista por conta das comissões na venda de anúncios. Veio então o novo desafio, comandar a instalação da sucursal do Diário do Rio Doce (jornal mais tradicional de Governador Valadares), em Ipatinga.
High Society
Nas festas promovidas por Martha Azevedo algumas damas da alta sociedade do Vale do Aço não podiam faltar. Entre elas, destaque para Celina Franco, Leninha Quintão, Emir Sena, Maria Inês Magalhães, Angelina Magalhães, Gracinha Pereira, Zinha Dorneles, Deolinda Bonfim, Mariângela Souza Pena, Wanda Calais, Glória Colares, Helenita Araújo, Márcia Milanêz, Laila Abreu, Maria Luiza Chieppe, Maria de Lourdes Melo, Auxiliadora Vasconcelos, Conceição Soares – “Todos os eventos que eu fazia já contava com elas, já era de praxe” – destaca Martha.
Já para garantir uma maior interação entre os convidados Martha lançava mão de uma tática bastante eficaz. Ela mesclava as mesas com pessoas que ainda não se conheciam muito bem – “pra criar aquele vínculo, eu misturava as mesas” – conta.
Em meio às estrelas
Foi questão de pouco tempo para a então colunista social se transformar na mais versátil produtora de eventos da região. Sua ousadia e determinação transformaram o então desconhecido Vale do Aço em palco para os principais artistas da época.
A prova de fogo de Martha foi promover a primeira apresentação teatral com artistas profissionais na história da região. O espetáculo escolhido? Nada mais nada menos que “Esperando Godot”, a clássica peça teatral do irlandês Samuel Beckett.
No elenco, formado apenas por mulheres, algumas das mais importantes atrizes da história da teledramaturgia e do teatro brasileiros: Eva Wilma, Lilian Lemmertz e Lélia Abramo.
O inusitado espetáculo foi apresentado em 1974 no Cine Horto, então localizado no bairro Bom Retiro, em Ipatinga. O sucesso da apresentação surtiu dois efeitos pontuais na vida de Marta Azevedo. O primeiro foi a abertura de portas para o mundo do show business brasileiro. O segundo? O nascimento de uma amizade que dura até hoje com a diva Eva Wilma.
Contando com o aval de “Vivinha”, Marta não parou mais de surpreender os moradores do Leste de Minas com seus eventos. Ainda em 1974, um tal de Roberto Carlos, cantor sensação da “Jovem Guarda”, foi parar no campo da Usipa para um show em benefício da “Cidade do Menor”, entidade de assistência infanto-juvenil.
Graças à Marta Azevedo uma verdadeira constelação passou pela região. Nelson Gonçalves, Tony Ramos, Vera Fischer, Cláudia Raia, Antônio Fagundes, Carlos Zara… são incontáveis os artistas que se apresentaram e fizeram presença em seus eventos.
Porém, foi uma pequena estrela, ainda de pouco brilho, mas com um potencial de primeira grandeza que transformou de vez a vida de Marta. Era uma menina loira, nascida no sul do país, que despontava como modelo e apresentadora de programa infantil. Seu nome? Maria das Graças Meneguel. Sua marca? Xuxa!
No palácio com a Rainha
Martha Azevedo se lembra bem do primeiro contato com a futura “Rainha dos Baixinhos”. Em 1985 foi ao Rio de Janeiro na sede da extinta TV Manchete. Xuxa, que havia acabado de romper um relacionamento com Pelé, o Rei do Futebol, apresentava o programa matinal, “Clube da Criança”. A idéia era trazer a loira para desfilar em Ipatinga.
O convite foi aceito e Xuxa veio pela primeira vez ao Vale do Aço. Durante o evento Martha verificou o sucesso da convidada junto ao público infantil. Foi então que veio a idéia de promover uma apresentação especial para as crianças. No início houve resistência por parte da apresentadora – “Ela disse que não levava jeito e que não ia dar certo. Eu insisti e então ela aceitou” – relembra Martha.
No dia 14 de outubro do mesmo ano foi realizado o primeiro show da Xuxa.
A apresentação foi preparada no ginásio da Usipa de forma improvisada. Pouco mais de mil crianças compareceram ao evento que contou com apresentação de balé e sorteio de brinquedos. Apesar de simples, a produção foi um sucesso.
Novas apresentações foram marcadas em outras cidades de Minas Gerais e, em seguida, em várias partes do país. O show da Xuxa não parou mais de crescer. Chegou um ponto em que Martha precisou se dedicar exclusivamente à produção do espetáculo. Foi então que largou tudo e foi morar com a Rainha dos Baixinhos.
Sucesso nacional, Xuxa despertou o interesse da Rede Globo. No dia 30 de junho de 1986 foi ao ar, pela primeira vez, o programa infantil “Xou da Xuxa”.
Foram 17 anos trabalhando e morando com uma das maiores celebridades da história da TV brasileira. Mesmo com o programa infantil, Xuxa mantinha seus shows e Marta era a responsável direta pelas produções – “Ficava uma semana em casa e depois viajava uns vinte dias. Era muito trabalho. A lista para fechamento do show da Xuxa tinha 380 itens a serem observados. Chegava de manhã e saia de noite do local do evento” – conta Martha.
As apresentações orquestradas por Martha ultrapassaram as fronteiras do Brasil e passaram com sucesso por boa parte da América Latina. Por duas vezes foi responsável pela produção do show “Criança Esperança” e também produziu o show “Amigos”, ambos da Rede Globo.
Em 1998, com o nascimento da filha, Sasha, Xuxa decidiu parar com os shows e Marhta passou a desempenhar um papel de assessoria particular da Rainha, o que durou mais cinco anos.
Após quase duas décadas de muito trabalho decidiu descansar. Voltou ao Vale do Aço e foi convidada para administrar o residencial Manoel de Oliveira Barros, no bairro Cidade Nobre, em Ipatinga. Desde então decidiu manter uma vida sossegada ao lado de seus amigos (em especial de Maria de Lourdes Melo). O melhor passatempo é o jogo de “buraco”. Mas se engana quem pensa que Marta sente falta do mundo da badalação – “Eu tenho pavor de festas. Gosto de ficar com meus amigos. Sempre gostei do que eu fiz e não me arrependo de nada, mas tudo tem sua época. Hoje estou satisfeita com a vida que levo” – conclui Marta, do alto de sua sinceridade peculiar.
Eva Wilma na minha vida
A sala de estar do apartamento de Martha Azevedo mais parece um hall da fama. Fotos de celebridades de hoje e de ontem tomam conta das paredes e móveis da produtora “aposentada”. Mas entre as célebres figuras Eva Wilma ganha destaque.
“Converso direto com ela por telefone e sempre que dá ela vem aqui me visitar. Quando ela vem ao Vale do Aço fica aqui em casa” – conta Martha Azevedo.
Amizade que rendeu histórias inusitadas. A mais engraçada se refere ao dia em que Marta enganou o ator Carlos Zara. Em 1979, o então senador por Minas Gerais, Tancredo Neves, pediu para que Marhta levasse um ator para participar de um baile de debutantes na cidade de Aimorés, na região leste do estado.
Após receber a recusa de diversos artistas ela decidiu convidar Carlos Zara, ator protagonista da principal novela da época “Pai Herói”. Como não existiam estradas de acesso à cidade, era preciso ir de trem na classe econômica em uma viagem de oito horas de duração. Para não afugentar Zara, Marta falou que o trem tinha ar condicionado e cabine exclusiva. Também disse que a viagem não passava de duas horas e meia.
Diante da mentira, o ator aceitou o convite e, para completar, Eva Wilma se convidou para o passeio. O casal só foi descobrir a farsa depois que estava dentro de um trem lotado sem nenhum conforto – “Foi muito engraçado. Até hoje eles falam desta viagem. Foi uma loucura dentro daquele trem. Eles se divertiram muito” – relembra Martha.
Frases de Martha
“Se tinta valesse mais do que a palavra não existiria cheque sem fundo”
“Meus maiores defeitos são a teimosia e a ansiedade”
“O segredo do sucesso é vestir a camisa daquilo que você está fazendo. É preciso fazer o que gosta!”
“Você faz bem aquilo que você está com vontade de fazer”
“Se fosse para eu voltar hoje pro jornal eu preferiria ir para a roça capinar. Tudo tem seu momento”
“Trabalhar com quem você gosta é ponto chave”
“Pra mim a honestidade não tem preço. Na época do show da Xuxa passavam em minhas mãos milhões, era muito dinheiro. Nunca desviei um centavo sequer”
Sem papas na língua
Marta Azevedo sempre foi conhecida por sua sinceridade. Uma virtude que já lhe colocou em saias justas. A maior delas ganhou repercussão mundial.
Tudo começou quando um sagaz repórter da Folha de São Paulo se aproximou da então produtora para uma “inocente” conversa. O assunto era o relacionamento entre Xuxa e o piloto de Fórmula 1, Airton Senna. Na oportunidade, completava um ano que o casal havia rompido o namoro.
Sem saber que o conteúdo da conversa iria parar nas páginas do jornal, Marta confidenciou ao jornalista que Airton não gostava muito de gastar dinheiro. Disse que quando Xuxa e o piloto saiam juntos era a Rainha dos Baixinhos que pagava as contas.
Para surpresa de Marta, de Xuxa e de Airton Senna a declaração foi parar na edição do jornal veiculada no dia 22 de setembro de 1991, com direito à página inteira. Marta fez questão de guardar um exemplar. Afinal não é todo o dia que se chama um herói nacional de “pão duro” – “A Xuxa me ligou no dia e disse que o Airton iria passar com o carro em cima de mim a trezentos por hora” – relembra o caso com bom humor.